ATENDIMENTO CLÍNICO PSICANALITICO DE CRIANÇAS QUE APRESENTAM SINTOMAS RELACIONADOS AO TDA/H
Psicanálise de crianças com TDAH. ATENDIMENTO CLÍNICO PSICANALÍTICO DE CRIANÇAS QUE APRESENTAM SINTOMAS RELACIONADOS AO TDA/H : Aspectos clínicos e possíveis intervenções do professor em sala de aula
Frente a este cenário, naturalmente os profissionais da área da educação passaram a buscar mais informações provenientes dos campos da psicologia, psiquiatriae neurologia como forma de melhor conhecer as dificuldades apresentadas por algunsde seus alunos. Tal busca também passou a ser influenciada pela necessidade do professor trabalhar em conjunto com outros profissionais da área da saúde (psicólogos, psiquiatras, neurologistas, fonoaudiólogos entre outros) nos casos em que a escola nãoconsegue auxiliar sozinha os alunos que se encontram em estado de sofrimento e risco psíquico.Dentre as situações mais complexas e difíceis vivenciadas pelos professores nodia-a-dia da sala de aula destacam-se aquelas em que um ou mais alunos apresentamtranstornos de caráter disruptivo como, por exemplo, o TDA/H, transtorno opositor outranstorno de conduta. Isto porque a criança que sofre com algum destes quadrosapresenta comportamentos que conturbam a organização da sala de aula e prejudicamsignificativamente seu processo de ensino-aprendizagem formal e o dos demais alunos.É o caso, por exemplo, do aluno que não consegue permanecer em sua carteira durante aaula, do aluno que apresenta dificuldades para se concentrar naquilo que é apresentado pelo professor e que conturba a aula, do aluno que se mostra continuamente agitado einquieto, do aluno que se comporta de forma agressiva com os colegas ou com o professor entre outros.A partir de um olhar superficial, as crianças que causam maior incômodo aoseducadores e colegas no contexto escolar são consideradas como “mal criadas”,“bagunceiras”, “desagradáveis”, “malandras”, “manipuladoras”. Porém, taisqualificativos fazem com que o mais importante passe despercebido: são crianças queestão em estado de sofrimento psíquico. Tanto as crianças que apresentam sintomas decaráter agressivo, agitado ou impulsivo (geralmente relacionados com a“hiperatividade”) quanto as crianças que apresentam dificuldades em manter a atençãonaquilo que é realizado em sala de aula (déficit de atenção) demonstram, a partir desinais não verbais, que algo não vai bem com elas e que, consequentemente necessitamde auxílio especializado.Mais preocupantes num contexto de uma sala de aula “inclusiva” são os casos decrianças que padecem de sintomas “silenciosos”, mais próximos ao quadro detranstorno de déficit de atenção sem hiperatividade, pois, devido ao fato de suasdificuldades não causarem incômodo maior aos colegas e aos professores, estas criançastendem a ser deixadas em sua posição de isolamento, sem que possam contar com o
olhar atento do professor. Este gênero de sintoma afeta significativamente a criança emsua capacidade de se socializar e no processo de aprendizagem formal.Quando as crianças sinalizam pela fala ou por comportamentos que estão emestado de sofrimento psíquico, faz-se necessário encaminhá-las, juntamente com suasfamílias, para os programas de avaliação psicológica ou psicopedagógica quefuncionam de forma integrada com a escola ou para um profissional de psicologia queatende crianças. Este é o primeiro passo para se verificar se a criança necessita ou nãode um acompanhamento clínico sistemático ou se é preciso encaminhá-la a outros tiposde avaliação (fonoaudiológica, psiquiátrica, neurológica, oftalmológica, entre outrasespecialidades médicas).Feitas estas considerações iniciais, passaremos à primeira parte do artigo, naqual proporemos uma revisão teórica dos temas “psicanálise com crianças” e doconceito de “TDA/H”. Começaremos pelas principais definições de TDA/H para, emseguida, apresentar os princípios teóricos do atendimento clínico psicanalítico decrianças. Após construirmos uma base conceitual sólida sobre os temas, passaremos àsegunda parte do artigo, na qual abordaremos estes temas de forma mais profunda earticulada com a experiência prática clínica.
1-BASE CONCEITUAL: “TDA/H” E “ATENDIMENTO CLÍNICOPSICANALÍTICO DE CRIANÇAS”
Antes de apresentarmos os fundamentos de um atendimento psicanalítico decrianças com TDA/H, precisamos retomar o significado dos conceitos de “atendimento psicanalítico de crianças” e de “TDA/H”, para que assim tenhamos uma base sólida paraa compreensão dos fundamentos de um tratamento clínico psicanalítico para criançasque apresentam este transtorno. Tal necessidade se justifica devido às inúmeras formasde se entender o que é um tratamento psicanalítico, sua função, objetivos, princípiostécnicos, e também pelos diversos significados que o TDA/H adquire na literatura psicológica e psiquiátrica. Iniciemos pela noção de TDA/H.
1.1-TDA/H em crianças: conceito e características
Como o nome já diz, o Transtorno de Déficit de Atenção, também definido por alguns autores como Distúrbio de Déficit de Atenção (DDA), indica uma disfunção que
afeta os campos da atenção e da concentração, o que traz como consequência aimpossibilidade da criança prestar a atenção ou concentrar-se em determinados tipos deatividades ou tarefas que lhe exijam um esforço mental continuado. Por não conseguir direcionar sua atenção, a criança parece não escutar o que lhe dizem, esquecerapidamente o que lhe é apresentado e distrai-se com quaisquer tipos de estímulosexternos. Geralmente as crianças com o Transtorno de Déficit de Atenção aparentamestar distraídas, “no mundo da lua”, enfim, desconectadas do que ocorre em seuentorno. Consequentemente, tarefas que lhe exijam organização, obediência às regras eàs instruções são difíceis ou até impossíveis de serem realizadas, como é o caso, por exemplo, das atividades escolares.O transtorno de déficit de atenção pode ocorrer de forma isolada ou vir associado com hiperatividade. Neste último caso, além de apresentar as característicascitadas anteriormente como desatenção, mudanças constantes de interesses eimpossibilidade de realizar tarefas de forma contínua, a criança apresenta uma agitaçãomotora significativa e incessante: não consegue ficar sentada na sua carteira, nãoconsegue permanecer em silêncio, tenta encerrar as atividades propostas no menor tempo possível, não tolera esperar, mexe ininterruptamente pés, mãos, apresentadificuldades em lidar com o “não”, etc.. A hiperatividade pode também desencadear uma série de comportamentos agressivos e violentos, seja na relação com os outros(hetero-agressividade) ou na relação da criança consigo mesma (auto-agressividade).Existem diferentes pontos de vista sobre quais são as causas do TDA/H e quaissão as estratégias de tratamento mais efetivas para este tipo de transtorno. Parte destadiversidade decorre de uma série de questões ainda permanece em aberto como, por exemplo, qual é a parcela de influência dos fatores genéticos, constitucionais eambientais/relacionais no surgimento e manutenção do TDA/H na criança. De acordocom as psicanalistas Kupfer e Bernardino (2009), tal indefinição é reconhecida por pesquisadores dos campos da medicina e da psicologia como, por exemplo, Antony eRibeiro (2004), segundo os quais:
“As pesquisas mostram uma alta taxa de comorbidade entre o TDAH e os transtornos disruptivosdo comportamento (transtorno da conduta e transtorno desafiador de oposição); depressão;transtorno de ansiedade; e transtorno da aprendizagem. No entanto, não há estudos queexpliquem as razões para que ocorram as co-morbidades.” (p. 128, apud KUPFER eBERNARDINO, 2009, p. 55).
Nesta mesma linha, Debroitner e Hart (1997) criticam profissionais e pesquisadores que insistem na idéia de que o TDA/H é uma doença (invisível) docérebro, pois, esta é uma “explicação simples para um distúrbio que é complexo emultidimensional” (p. 2). Isto significa que incorremos num reducionismo quandotentamos explicar as causas do TDA/H apenas a partir de variáveis genéticas,constitucionais ou devido a um mau funcionamento cerebral.Barkley, Murphy e Bauermeister (1998) afirmam que “O TDAH envolveinterações multidirecionais, recíprocas e dinâmicas entre influências genitais, neurais, psicológicas e comportamentais e ambientais que ocorrem ao longo do desenvolvimentoda criança” (apud ANTONY e RIBEIRO, 2004, p. 128). Ou seja, apesar de tendênciaatual de se buscar as causas de diversos transtornos mentais em fatores exclusivamenteorgânicos (genética, constituição, aparato neurológico, deficiência ou excesso desubstâncias que interferem o funcionamento cerebral), não existem evidências quecomprovem que o TDA/H decorre exclusivamente destes fatores. Ao contrário, pesquisas na área médica e psicológica como as anteriormente citadas indicam umasignificativa correlação entre o TDA/H e disfunções de caráter psíquico,comportamental e ambiental. Também sabemos a partir da experiência clínica comcrianças que os fatores ambientais não só podem deflagrar um Transtorno de Déficit deAtenção como também podem apresentar relação com o surgimento de outrostranstornos disruptivos do comportamento e de outras formas de sofrimento psíquicocomo a depressão infantil, transtorno de ansiedade, transtorno de pânico (fobias) eoutras dificuldades que prejudicam o processo de aprendizagem formal.Tendo em vista a complexidade do cenário dos estudos sobre TDA/H e osdiferentes pontos de vista que se propõem a explicar este fenômeno, a seguir apresentaremos uma das principais perspectivas de tratamento psicológico para criançascom TDA/H: o tratamento psicanalítico. Esta perspectiva assume como ponto de partidao pressuposto de que os sintomas da criança diagnosticada com TDA/H não podem ser explicados apenas por disfunções ocasionadas pelo mau funcionamento cerebral, mas por um estado de sofrimento psíquico consciente ou inconsciente à própria criança,sofrimento este ligado às suas experiências de vida e, principalmente, ao modo como acriança processou tais experiências
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De acordo com a perspectiva do senso comum costuma-se pensar que um trauma psíquico ocorre apenasem situações em que a pessoa vivencia fatos violentos, grandes decepções ou situações de risco extremo.Porém, em psicologia sabemos que o trauma não está relacionado apenas aos eventos externos e reais,
Após apresentarmos as principais definições e formas de compreensão doTDA/H, passemos a seguir à noção de “atendimento psicanalítico de crianças”.
1.2-Atendimento psicanalítico de crianças
Tal como ocorre no campo da pedagogia, a psicologia oferece uma série deteorias e métodos ao psicólogo que se propõe a atender crianças, adolescentes ouadultos
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.Dentre as principais formas de trabalho psicoterapêutico, enfocaremos nesteartigo as práticas fundamentadas em teorias psicanalíticas. São referência para otrabalho clínico em psicanálise autores como Freud (criador do método psicanalítico),Winnicott, Lacan, Dolto, Klein, Bion, Mannoni entre outros.Apesar de não ser nosso intuito abordá-las no contexto deste artigo, é importantemencionar que existem outras perspectivas de trabalho clínico em psicologia sefundamentam em teorias como o behaviorismo ou psicologia comportamental, acognitivo-comportamental, a teoria sistêmica e outras menos disseminadas.Para melhor compreendermos como funciona um tratamento psicanalítico decrianças, primeiramente será necessário conhecermos alguns dos principais conceitosque fundamentam esta prática e o modo como estes conceitos se articulam uns com osoutros. Inicialmente discutiremos a noção psicanalítica de “sintoma” e suas distinçõesfrente à noção médico/psiquiátrica do termo. Em seguida apresentaremos os conceitosde “transferência”, “conflito psíquico” e “inconsciente”, segundo o ponto de vista psicanalítico freudiano e de alguns autores pós-freudianos como Lacan (1969/2001),Dolto (1987/2005) e Mannoni (1981).
1.2.1-Conceitos psicanalíticos fundamentais para o tratamento de crianças queapresentam TDA/H: a noção de “sintoma” em psicanálise
Existe uma metáfora amplamente utilizada no campo da psicanálise para sedescrever o funcionamento mental humano: a de um circuito elétrico, no qual existemfios, interruptores, transformadores, fusíveis e demais elementos próprios de um sistema
mas sim ao modo, à forma como a pessoa compreendeu a experiência por ela vivida. Neste sentido,verificamos com frequência na clínica que as crianças vivem como traumáticos uma série de conteúdosque não dizem respeito a situações de risco real (segundo um ponto de vista objetivo).
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Atualmente já existem teorias psicológicas e métodos de intervenção com bebês e crianças menores detrês anos. Os atendimentos psicanalíticos realizados com esta população geralmente são realizados juntamente com os pais ou cuidadores. Para mais, ver Dolto (1987/2005, p. 161).