A DIFERENÇA ENTRE PSICOLOGIA E PSICANÁLISE

06-11-2013 23:22

A DIFERENÇA ENTRE PSICOLOGIA E PSICANÁLISE

Adriana Tanese Nogueira


Psicologia e psicanálise não é a mesma coisa. Há uma distinção essencial entre elas que afunda raízes em suas origens, e cuja diferença leva a distintas perspectivas e métodos de pesquisa, portanto diferentes diagnósticos e diferentes resultados.

 

O discurso sobre a alma (em grego antigo psyche-logos, discurso sobre a alma, do qual a palavra psicologia vem) é uma investigação que nasceu nos tempos da Grécia antiga, entre outras relacionadas ao universo, à vida e à política. O primeiro “psicó-logo” foi Aristóteles (384 BC - 322 AC) um dos fundadores do pensamento ocidental e primeiro grande classificador das coisas do mundo. Em sua vida de pesquisas, Aristóteles categorizou o inteiro mundo conhecido na época, incluindo aquele da moral e do comportamento humano. Portanto, falou sobre a psique.


Na idade moderna, a psicologia ingressou no mundo da ciência pelo trabalho do alemão Wilhelm Wundt. Em 1879, ele fundou, em Leipzig, o primeiro laboratório dedicado exclusivamente à pesquisa psicológica. Desenvolvendo-se como um dos campos dos estudos experimentais, a psicologia era uma ciência entre outras. Sua filosofia de base se baseava no Positivismo que era a visão de mundo do tempo de Wundt. Nela, o ser humano é abordado usando a mesma metodologia utilizada para analisar uma molécula, uma planta ou um peixe. A ciência tradicional estuda a natureza (e os humanos são parte dela) tentando identificar suas leis, que uma vez descobertas ajudam a prever e entender como o organismo funciona, detectanto, portanto, suas anormalidades. 

 

Freud (1856-1939), o fundador da psicanálise, não era um psicólogo. Era um neurologista e o novo campo de conhecimento que ele descobriu supunha um elemento desconhecido à psicologia e a todas as outras ciências convencionais: o inconsciente. Ele chamou essa nova ciência de psicanálise porque está baseada na análise da psique. A abordagem freudiana mantém a tradicional distância entre o observador (o analista) e o objeto de seus estudos (o paciente), portanto o analista freudiano fala pouco, escreve muito, e analisa o paciente, como se ele e o analisando pertencessem a espécies humanas diferentes. Esta perspectiva, entretanto, sacode as fundações do método científico convencional.

A referência principal da psicanálise é o inconsciente, o qual, por definição, está presente em toda pessoa, analista e paciente s, e influencia as atividades conscientes e as percepções da realidade, também distorcendo a visão e manipulando a compreensão racional. Freud caminhou sobre um terreno instável que exigiria mudanças na epistemologia psicanalítica. Epistemologia é o ramo da filosofia preocupada com a natureza do conhecimento, cujas perguntas são: o que podemos conhecer? Quais são os limites do conhecimento humano? Assim, se a psicanálise supõe o inconsciente como seu objeto principal de estudos e o inconsciente é o desconhecido (tudo o que não é consciente) que interfere com a forma como conhecemos o mundo, chegamos num aparente círculo vicioso. Como, então, podemos afirmar qualquer coisa com objetividade? 

Freud contava com sua autoanálise para ajudá-lo a compreender seus pacientes. Isto o coloca numa posição completamente diferente daquela de um psicólogo que vê a si mesmo como um pesquisador externo, para o qual o estudo de uma medusa ou de uma pessoa está baseado em premissas externas ao observador. Ao invés disso, Freud seguiu por outro caminho: através de sua experiência interior e do conhecimento assim obtido desenvolveu os instrumentos para ajudar seus pacientes. Apesar de Freud oficialmente permanecer nos limites da epistemologia positivista, sua prática revela na verdade a quebra deste paradigma, modificando o método científico.

Quem se tornou consciente dessa revolução e de suas consequências foi Jung (1875-1961), o qual alcançou horizontes que Freud não poderia imaginar. O histórico de Jung deu-lhe a liberdade para investigar o campo desconhecido que a psicanálise freudiana havia aberto. O método científico positivista (oriundo das ciências biológicas) foi substituído por aquele dialético (oriundo da filosofia) que melhor combina com a psique. A metodologia de Jung aprofunda o dialogo entre consciência e inconsciente, que Freud já utilizava, investindo na autoconsciência do analista e no que acontece na relação analítica, mais do que na analise do paciente de fora para dentro.


Para Jung, não somente os sonhos são, como disse Freud, a “via regia” (o caminho principal) para chegar ao inconsciente, como a inteira vida psíquica revela elementos e orientações úteis para o desenvolvimento da pessoa. E ainda por cima, o inconsciente não se resume a ser um “perturbador” das atividades conscientes. Na perspectiva junguiana, analista e paciente estão ambos engajados numa jornada de descoberta e de crescimento. Durante os muitos anos de experimentação e aprendizado tendo como base sua vida interior e a prática profissional, Jung desenvolveu sua psicologia analítica. Como aquela freudiana, da qual é uma evolução, a psicologia analítica junguiana, apesar do nome, continua sendo uma forma de psicanálise pois dessa nasce e nela tem suas raízes, nada devendo à “psicologia científica” acadêmica.


Se a psicologia estuda um ser humano como poderia estar estudando qualquer outro mamífero e a psicanálise está baseada no dialogo entre duas pessoas, então o primeiro psicanalista na história ocidental foi Sócrates (469 BC-399 BC). Seu método preanunciava a semente da qual a psicanálise iria nascer: o dialogo. Sócrates acreditava que todos possuíam mais conhecimento do que podiam imaginar. Através do dialogo, ele era capaz de fazer uma pessoa pensar para que chegasse à suas próprias conclusões, desenvolvimento uma surpreendente compreensão da vida e de si mesma. Imagine agora você sabendo mais do que acha que sabe. Onde estaria esse conhecimento? No seu inconsciente. Como acessá-lo? Pelo método psicanalítico.

A psicanálise é precisamente o dialogo reflexivo, inteligente, estratégico, presente, sensível e construtivo com o inconsciente. O psicanalista interage com seu inconsciente e aquele do paciente, ajudando este último a fazer o mesmo. Este é o objetivo da análise, enquanto a “terapia” tem o objetivo de “curar” como a palavra diz.

 

Em Jung esta idéia é levada adiante e está visível na setting analítico que elimina o divã e o substitui pelas duas poltronas, uma na frente da outra. O divã freudiano implicava que o analista investiga o inconsciente do paciente deixando o próprio de lado. O divã de Freud é como a bancada do laboratório onde se apoiam os materiais a serem analisados. No setting junguiano o dialogo acontece em, pelo menos, quatro níveis: duas pessoas conversam, dois inconscientes interagem (através de sentimentos, sonhos e linguagem não verbal), duas pessoas se tornam concientes da interação inconsciente entre elas e de seus significados; uma pessoa ajuda a outra a se familiarizar com isso e começar sua jornada desdobrando sua própria unicidade.

É por isso que, em psicanálise normalidade é um conceito questionável, pois ele se refere ao mediano, à média estatística que ninguém gosta de ser. A normalidade que se busca em psicanálise é a incomparável singularidade da individualidade humana. Não só, a psicanálise, em sua versão junguiana e pós-junguiana, se parece com a Física Quântica e sua revolucionária abordagem à matéria. O observador e o observado interferem um com o outro sendo a objetividade no sentido tradicional impossível. Não é por acaso que a psicanálise nasceu na virada do século vinte junto à física moderna. Ambas pertencem ao novo paradigma epistemológico acerca da compreensão da vida e de seu significado.